quinta-feira, 28 de abril de 2011

"Interessa?"

Carvalhinho, autor da canção cujo título esse post arrogantemente reproduz, talvez não soubesse que a petulância orgulhosa e feminina dessa sua música encontraria encaixe perfeito numa intérprete nascida mais de dez anos depois de sua morte. "A sorte não é pra todas, talvez seja só pra mim..." nunca seria cantado com tanta elegância e presença quanto a que proporcionaram o talento e a técnica de Roberta Sá.

Sim, antes de começar a me empolgar aqui (coisa inevitável, já tô empolgadíssima pra sair louca e desbaratinada falando tudo o que tenho amado na carreira dessa "potiguar acariocada"), gostaria de começar pedindo perdão a quem lê. Sim, perdão. Primeiro, gostaria de afirmar veementemente que não, esse NÃO é um blog em homenagem à Roberta Sá, embora entre os dois primeiros posts tenhamos a presença dela em ambos. Esse é um blog sobre intérpretes femininas. Gostaria, ainda, de ressaltar que o fato de esse não ser um "blog-homenagem" não significa em absoluto que a cantora não mereça – dentro em breve, verão o quanto eu sou apaixonada por ela – e sim somente porque a minha proposta é outra, e porque blogs em homenagem ou acompanhamento à carreira dela já existem vários (se quiser dar uma conferida, tem o Moderação Roberta Sá, criado e alimentado por fãs, a página da própria Roberta e o blog oficial, de responsabilidade da assessoria de imprensa da mesma, o perfil oficial no twitter e perfis outros criados por admiradores – além, é claro, da infinidade de informações que a internet vai disponibilizar àquele que tiver tempo e interesse). Devido a tudo isso, não vejo a necessidade de discorrer sobre informações como discografia e pormenores da carreira da artista, minha intenção é falar do meu sentimento de aprisionamento e identificação à forma dela de fazer música. Sim, é um blog sobre música mas também um blog pessoal. E por falar em pessoal...

Tentei, tentei ao máximo fazer o primeiro post “valendo” sobre qualquer outra artista que admiro, já que são tantas e tão boas. Mas sabe o que é que é... eu estaria me traindo se fizesse isso! Porque eu simplesmente não tenho conseguido ouvir outra coisa com a mesma intensidade com a qual me deleito em aproveitar “Pra se ter alegria” e “Quando o Canto é Reza” (meus followers no twitter que o digam...), últimos álbuns gravados por ela. Seria injusto comigo não falar do que eu tenho vivido primeiro, e (deixa eu incorporar a Lady Kate) aqui é tudo meeeu, tudo meeeu, então vou ser egoísta o suficiente pra poder ser repetitiva e chata e falar primeiro do que eu gosto, HUMPT!

Bem, essa história de Roberta Sá na minha nada mole vida é meio que um conto de amor e ódio (vocês verão o porquê), iniciado assim que ela gravou o “Que belo estranho dia pra se ter alegria” (2007), segundo álbum da carreira (sim, o primeiro, “Braseiro”, de 2005, nem mesmo chegou a ser conhecido pela minha nobre pessoa na época).

"Que belo estranho dia pra se ter alegria" - 2007

"Braseiro" - 2005 (repare na carinha de ninfeta da nossa amiga...)


E a história de amor e ódio começou com... o ódio, é claro, assim como todas as histórias que terminam bem (sendo que essa ainda não terminou, o romance atualmente está no ápice. Espero, com fé, que seja eterno enquanto dure, e que dure para sempre). O que acontece é que eu ficava extremamente irritada toda vez que ligava o rádio (sim, ainda ouço rádio, e MUITO) e ouvia toda vez aquela mesma música chatinha (tô falando de “Belo estranho dia de amanhã”). Aquela coisinha de “dentro do banco central o pessoal vai esquecer como é que assina a própria assinatura” me deixava nervosa! Ficava pensando: “quanto é que pagam pra rádio pra ela ficar passando 24 horas por dia essa pseudo-MPB e fazer a gente engolir que a música é boa só porque a voz da intérprete é agradável?” (foi mal aê, Lula Queiroga, autor da bagaça toda, mas eu pessoalmente acho essa letra um tanto quanto sacal). 

Desde então, apesar de não ligar bem o nome à pessoa, sabia que Roberta Sá era a menina que cantava a “música do meu abuso”. Nem a interpretação dela de “Casa Pré-Fabricada” me convenceu de que naquele mato sairia mais coelho. E, dentro do meu “abuso”, não fui atrás de conhecer nada mais que pudesse mudar minha concepção a respeito.

E, falando nisso, incrível a capacidade que as rádios tem de aceitar jabá facim, facim das gravadoras e oferecer pros nossos ouvidos sempre a PIOR música do álbum de cada bom artista, né? Nem sei o porquê, mas coincide de eu geralmente detestar a chamada “música de divulgação”, que fica nos atormentando semanas a fio como se não existisse outra coisa pra tocar (como foi exageradamente percebido na época do auge de “Boa Sorte/Good Luck”, da Vanessa da Mata e “Shimbalaiê”, da Gadu), fazendo com que eu crie uma má impressão da obra da artista e descubra, ANOS-LUZ DEPOIS, o quão maravilhoso o conjunto da obra não-divulgada era. Tá, ok, erro meu. Temos internet, podemos baixar o diabo-a-quatro e não estamos mais amordaçados por gravadoras e rádios pra conhecer o que anda rolando por aí, mas esse foi só um comentário tardio, um desabafo. Vamo voltar pro que INTERESSA?

Até que alguma amiga foi em um show dela aqui em Fortaleza, começo de 2008, e voltou contando maravilhas. “Nem conhecia direito as músicas, mas foi tudo tão legal. Ela tem muita presença!”, foi o comentário que ouvi. Seria a hora de dar o braço a torcer?
Bem, o que acontece é que no mesmo “Belo estranho dia pra se ter alegria”, até então irritante, também havia composições incríveis, adornadas pela interpretação única da Roberta. A primeira música que ouvi e gostei realmente foi “Samba de um minuto”, composição de Rodrigo Maranhão. E foi no que a Roberta pediu carinhosamente “escute o que vou lhe dizer/ um minuto de sua atenção...” (dessa vez, as rádios acertaram) que eu prestei atenção de verdade e pela primeira vez naquela voz, naquele estilo, naquela música. “Nem há amor sem que uma hora o ódio venha/ Bendito o ódio, o ódio que mantém a intensidade do amor, seu ardor / A densidade do amor, seu vigor..”. Com esse “Samba de amor e ódio” foi que surgiu o turning point daquela historinha do começo. O conto de amor e ódio entraria agora na fase doce do amor, da paixão a cada música, do reconhecimento pessoal nas letras e na interpretação.


Aí é que fui saber alguma coisa da vida daquela artista que me dava tantos momentinhos diários de alegria. Fui me tocar que a Roberta era aquela garotinha que passara meio que despercebida pelo Programa Fama (Edição “Fama Bis”), da Rede Globo, no qual fora eliminada já na quarta rodada (eliminação vinda em muito boa hora, diga-se de passagem,  visto que foi convidada a gravar versão da música “A Vizinha do Lado”, de Dorival Caymmi, que entraria para a trilha da novela Celebridade, como tema da personagem de Juliana Paes, e faria com que o público começasse a ter um contato real com sua voz). Oxalá todos os artistas de qualidade fossem eliminados desses realities padronizados e tivessem o mesmo "fabuloso destino" de Roberta Sá!

Desde estão, os passos foram muitos e conquistados firmemente até Roberta se consolidar hoje como uma das reconhecidamente melhores cantoras jovens da música popular brasileira, e uma das grandes vozes dessa nova geração que vem devolver ao Brasil o orgulho e a paixão pelo samba, pelo chorinho, pela bossa-nova. 

A Roberta dos tempos atuais não é mais a menina talentosa, porém um tanto quanto inexperiente, que rebolava os quadris pra entrar no molde da produção do Programa Fama; ela é o perfeito exemplo da balzaquiana, mulher de trinta anos com os quais se alcançaram maturidade nas mais diversas áreas da vida.

De 2002 – quando fez aquilo que ela mesma considerou realmente seu primeiro “show”, no Mistura Fina – pra cá, a caminhada artística de Roberta veio num crescente constante, que coleciona gravações com Chico Buarque, Ney Matogrosso, Lenine, Marcelo D2, MPB-4, interpretações inesquecíveis, como a sequência de shows feita em homenagem à Carmem Miranda, turnês pelo Brasil todo e pelo mundo à fora (Portugal, Alemanha, Cingapura, Japão...), sucesso atrás de sucesso emplacado em trilha sonora de novelas globais (não, o fato de virar mainstream demais não tira o mérito de ninguém), regravações de autorias de grandes nomes da música brasileira, que ganharam um roupagem completamente nova na voz de Roberta (como é o caso de “Pelas Tabelas”, do próprio Chico).

 Foto de divulgação do cd "Pra se ter alegria", 2009.

Roberta concorreu também ao Grammy Latino em 2008, na categoria artista revelação, ao lado do também brasileiro e sambista Diogo Nogueira (sim, muito além de ser um pedaço de mau caminho e dançarino no Faustão, Diogo é sambista de mão cheia da nova geração, sucessor do grande João Nogueira). 

Não, ela não ganhou, e nem o Diogo, por sinal. Mas nós ganhamos um vídeo que prova a "falta de absurdo" que é o nível de (des)informação dos jornalistas(?) brasileiros: a repórter que entrevistou Roberta na entrada do evento nem mesmo se deu conta que, ao lado dela, não estava somente o "maridão companheiro", mas também um parceiro de trabalho e também artista – aliás, artista de carreira sólida e bem anterior à de Roberta – Pedro Luís (do “Pedro Luís e a Parede”). E sim, eu também não sei o nome da repórter (ela não sabe o nome do Pedro Luís, tenho que saber o nome dela por quê?).


Coisa interessante a se comentar no blog, por conta da temática da música feminina, é a constante participação de Roberta em eventos organizados a fim de reunir grandes vozes femininas da atualidade. Foi o caso do show “Sob o mesmo Céu”, realizado em Recife em março desse ano, durante o carnaval, onde também cantaram Elba Ramalho, Fernanda Takai, Pitty, Marina Lima, Céu, Maria Gadu... Coincidência ou não, a quase totalidade das músicas interpretadas foram de autores masculinos.

Agora, por favor, me dêem o prazer de falar sobre um dos maiores motivos que me levaram a escrever esse post (como se eu já não tivesse discursado exaustivamente, né?).
O amadurecimento da carreira da Roberta trouxe um dos frutos mais recentes de todo esse trabalho, resultado de três anos de pesquisas e meu novo vício: o cd “Quando o Canto é Reza”, que homenageia e regrava as pérolas da obra de Roque Ferreira, artista do Recôncavo Baiano intensamente interpretado pelos sambistas brasileiros de antigas e novas gerações (tome como exemplo Maria Bethânia, Zeca Pagodinho, Beth Carvalho...).


A obra é resultado do casamento muito bem feito entre Roberta Sá e o Trio Madeira do Brasil (Ronaldo do Bandolim, Zé Paulo Becker e Marcello Gonçalves), que já tinham se encontrado em outras oportunidades,  mas que resolveram somar os talentos pra produzir um trabalho de delicadeza extrema.



Quando falo delicadeza extrema não me refiro somente à troca dos fortes batuques, característicos do samba de roda e de coco entoado por Roque Ferreira, pelos arranjos das cordas do Trio Madeira, mas sim de uma combinação de fatores que tornam cada canção primorosa. Do cd ao show é tudo encantador: o encarte do cd, o figurino idealizado especialmente para as apresentações (patrocinadas pelo projeto MPB Petrobrás), a interpretação impetrada de suavidade e elegância que Roberta impõe a cada canção, a temática das composições de Roque (a força e a beleza da religiosidade de matriz afro-brasileira, o dengo e a malícia do povo baiano, a relação do homem consigo mesmo, com a música e com o mar).

Só pra deixar o gostinho, vou postar uma das músicas do cd que eu particularmente mais gosto, pela delicadeza (palavra-chave na obra da Roberta Sá, eu diria) dos arranjos, pela combinação da letra com a musicalidade, que faz da canção uma quase cantiga de ninar que mistura amor e saudade.


É realmente um trabalho que vale a pena ser conferido, e pode ser ouvido gratuitamente por aqui.

“Ser cantora nesse país de divas é difícil”. Essa frase foi escrita pela própria Roberta em seu site oficial, quando exibiu uma pequena biografia, aos 27 anos. Depois de toda essa saga, vamos concordar em uma coisa: ela tem feito isso como ninguém.


3 comentários:

  1. Olha só, Rosana, você fez uma pesquisa profunda, uma investigação da carreira da Roberta Sá. Ela é mesmo uma excelente cantora, com uma voz muito bonita. Gostei bastante da apresentação que ela fez no Aterrinho da Praia de Iracema no carnaval deste ano de 2011. E o CD com o Trio Madeira Brasil é primoroso. O Brasil é mesmo um país de cantoras excelentes, e uma cantora que eu ouso sugerir para uma próxima postagem do blog Elas Belas é a Monica Salmaso, que também encantou os fortalenzes em 2008 no Theatro José de Alencar com "Noite de gala, samba na rua", show com o quinteto Pau Brasil, em homenagem a Chico Buarque.

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  2. Sugestão anotadíssima, Marco! Vou dar uma escutada/pesquisada na Mônica Salmaso e, quem sabe, logo logo ela estará aqui no Elas Belas (e no meu acervo de cantoras prediletas) :)
    Ah sim, e eu também estava no show do Aterrinho, e o legal é que, além da Roberta Sá, também se apresentaram As Chicas, que são igualmente incríveis.

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  3. Que joia, Rosana. Mônica Salmaso e As Chicas são ótimas pautas para o Elas Belas. É válido e digno escrever sobre os trabalhos delas. É isso aí. Continue nesse caminho de pesquisar a música feminina brasileira.

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